Teal não é o primeiro nem o único


Como o próprio Frederic Laloux afirma no livro Reinventando as Organizações (RO), o resultado de sua inspiração foi muito mais sistematizar algo que já vinha acontecendo do que inventar algo novo. E não estamos falando apenas de empresas que já funcionavam e poderiam ser enquadradas como teal, mas também de outros autores e teorias, que traziam percepções similares sobre o mundo organizacional.

É importante dizer algumas coisas. Primeiro, que este assunto conversa e se confunde com outro post aqui do blog, intitulado “Depois de Reinventando as Organizações: o que tem acontecido?“. A intenção daquele primeiro era falar sobre se existia ou não uma rede consistente discutindo e praticando princípios inspirados pelo RO. Aqui, a proposta começou sendo buscar outras referências, diferentes do livro, mas que caminhassem no mesmo sentido.

Em ambos, confesso que em algum momento parti de uma motivação um tanto ingênua de que a mobilização por encontrar caminhos comuns e consensos a respeito das organizações e relações do futuro realmente deveria ser uma coisa muito forte. Não era possível que não fosse! Depois do “check de realidade”, é óbvio, vejo que não é bem assim. E é natural que não seja. Não há opinião única num ambiente de ação descentralizada. Se fosse diferente disso, algo estaria errado.

Acontece que os dois tópicos se misturam. Muitas das outras iniciativas às vezes nem se identificam como teorias, métodos ou sistemas como o de Laloux. Em alguns, parece não haver linha de divisão muito clara entre “organização criadora” e “sistematização criada”. E no final das contas não são autoexcludentes. Não acredito que Laloux tenha tido de repente uma iluminação única no início do século 21. Mas ele soube sintetizar e acabou por criar sinergia com seus escritos.

Da mesma maneira, não fui o primeiro a pensar nestas perguntas. É realmente difícil trazer um mapa completo, talvez impossível. Mas há listas já organizadas e vou compartilhá-las. Com o tempo, cada nova descoberta pode se tornar um novo post por aqui. Vou tentar falar pouco de cada uma das que tomei mais conhecimento e deixar alguns links para que você faça sua própria pesquisa.

Vamos ao que interessa

Então já vou começar entregando o ouro. Uma das melhores listas que encontrei foi o “Handbook of decentralized organizations“, mantido por Richard Bartlett. Ela é apresentada como “uma mega lista de manuais e ferramentas para grupos trabalhando sem gestão de cima para baixo, de movimentos sociais a locais de trabalho, livres (open source) para qualquer um ler, atualizar, compartilhar”. Tem de tudo: de teorias a organizações reais. O próprio Bartlett é cofundador da Loomio, uma ferramenta digital para tomada de decisões, além de participar de consultorias e comunidades voltadas à autogestão e ao trabalho com significado. Ele também é autor do livro Patterns for Decentralized Organising, licenciado como Creative Commons.

No fórum do RO tive resposta da #AdaptiveOrg, da Alemanha. A empresa tem mais de 20 anos atuação. Elaborou e utiliza seu Adaptive Activator para auxiliar a transição de empresas. Não se trata de um método. “Eu prefiro chamar de uma estrutura de mudança participativa altamente dinâmica/adaptável”, diz Joan Hinterauer, um do sócios. “Ele trabalha com equipes temporárias que se dissolvem assim que o problema proposto é resolvido. Ao aplica-lo, superamos a ideia de “implementar algo” e nossos clientes não precisam trabalhar contra as dores de gerenciar mudanças”.

Sobre propósito, Joan diz que a compreensão utilizada no Activator é diferente. “É algo altamente individual, não deve ser entendido como organizacional. Mas temos certeza de que comunidades autogeridas precisam de orientação. Então desenvolvemos uma ferramenta mental chamada Inner Compass (Bússola Interna). Ela fornece orientação, mas em um nível mais vago em relação a um propósito. Temos boas experiências com essa abordagem alternativa até agora”. Mais sobre eles pode ser visto em seu White Paper.

Outra experiência bastante famosa é a do brasileiro Ricardo Semler, do conglomerado Semco Partners. Ele hoje vende até mesmo o que o levou a ser reconhecido mundialmente desde que tomou a frente da empresa em 1985: seu estilo de gestão. Com seu livro Maverick, de 1988, Semler mostrou sua forma visionária de pensar sobre o mundo do trabalho, pregando e praticando mais horizontalidade, menos hierarquia e burocracia, enquanto dava voz e distribuía o poder entre os funcionários de todos os níveis.

Atualmente o Semco Style Institute, do qual é cofundador, oferece consultoria, treinamento, palestras e ferramentas voltadas à implementação da autogestão e de ambientes de trabalho mais agradáveis e humanizados. Além disso, dizendo acreditar que a mudança real deve iniciar antes mesmo do ingresso no mundo do trabalho, Semler enveredou pelo ramo da educação e fundou a escola Lumiar. Ela visa promover autonomia, integralidade, gestão participativa e proatividade. Com crianças de várias idades na mesma turma, os estudantes criam sentido e responsabilidade em seu próprio currículo por meio da realização de projetos e de outras formas de contextualização do conhecimento.

No post anterior falamos ainda da Happy e da própria Holacracy One. Cada uma delas também tem suas compreensões dos meandros da transição e expressa-os através de seu “manifesto“, no caso da primeira, e “constituição“, para a segunda.

Também já citei a brasileira Target Teal, que elaborou seu próprio modelo, batizado de O2 (Organização Orgânica). Conversei com um de seus membros, Eduardo Araújo. “O2 é uma linguagem de autogestão. Um catalisador. É um conjunto de acordos sobre como escrever e reescrever acordos, como proposta de substituir chefes na organização”, disse.

O sistema é inspirado na holacracia e na sociocracia, mas não parou por aí. “Utilizávamos a holacracia, mas vimos limitações. É patenteada, centralizada. Isso dificulta alterações e utilizações. O O2 é linguagem aberta, registrado em Creative Commons. Qualquer pessoa pode propor alterações”, explicou. No site tem inclusive uma tabela comparativa entre os três sistemas. O O2 é organizado nos chamados meta-acordos.

Também é importante citar a Sociocracia. No site brasileiro Sociocracia Brasil, ela está descrita como “um conjunto de princípios, padrões e processos de tomada de decisão, governança, operações e feedback para implementar a autogestão nas organizações, transformando a estrutura e a cultura deixando-as mais resilientes, responsivas e eficazes”. A principal crítica que tenho encontrado sobre ela é a respeito da lentidão ou mesmo estagnação que pode haver em decorrência da busca pelo consenso como objetivo principal.

Ufa. Aprofundar-se em todas estas maneiras de lidar com gestão e relações de trabalho pode ser uma grande jornada. Espero ter conseguido trazer um pouco mais do panorama, mas sei que ainda há muito que poderia ser dito. Teal ou não, as opções não se esgotam. Fico feliz em perceber que há gente que há muito tempo, desde muito antes de 2014 quando o RO foi publicado, pensa e age para auxiliar os outros a construirem este futuro mais justo.


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