Terminei de ler recentemente o famoso livro Comunicação Não Violenta (CNV), do psicólogo estadunidense Marshall Rosenberg. Muitas ideias boas! Há muito já conhecia a obra de nome. Também já tinha visto videos de palestras do autor, nas quais ele utilizava fantoches de chacal e de girafa como metáfora de nossas maneiras de nos expressarmos.
Aliás… quer encontrar o livro perto de você? Acabei de descobrir que a Wikipedia possibilita isso pelo número do ISBN!
Para quem ainda não conhece a CNV, trata-se de uma abordagem sobre a comunicação, pessoal ou em grupos, que visa que criemos conexão e empatia conosco e com os outros, de maneira a falarmos e ouvirmos nos entregando “de coração”. Rosenberg diz que deu este nome ao sistema usando a mesma acepção que Mahatma Gandhi em sua “ação não violenta”: temos um estado compassivo natural quando a violência se afasta do coração. A CNV também é chamada de Comunicação Compassiva.
O livro é recheado de exemplos e histórias ilustrativas. Para mim foi difícil não lembrar de um bocado de situações que passei em família, com amigos (alguns dos quais até mesmo me distanciei), relacionamentos, trabalho, ou mesmo por situações casuais, como acidentes de trânsito. Se eu tivesse tido cabeça fria e conhecesse esta eficiente ferramenta, quem sabe o que poderia ter sido diferente?
O que a CNV não é
Quero falar sobre isso porque vejo que há confusão quanto a algumas coisas. CNV não é “falar baixo”. Já ouvi isso de duas pessoas, não por acaso bastante violentas em suas falas, que diziam “não quero saber dessa coisa de CNV, de ter que ficar falando baixinho”. Rosenberg não menciona uma só vez em seu livro que para se comunicar sem violência é necessário falar baixo. Pelo contrário, diz que é possível sermos violentos até mesmo fazendo elogios. E pessoalmente, acho que cobranças e ofensas que vêm acompanhadas de sorrisos e bons comportamentos são as que mais têm potencial para machucar.
A CNV também não é uma estratégia de negociação para se tirar proveito dos outros enquanto os deixamos “felizes por terem sido ouvidos”. Anos atrás, quando assisti pela primeira vez um video de uma palestra do autor, me passou pela cabeça que seria possível utilizá-la assim. Hoje, imagino que pensei isso porque naquela época eu mesmo estava mais preocupado em aprender a negociar.
Acontece que, como é posto da primeira à última linha do livro, a CNV foi feita para facilitar a empatia e a escuta verdadeira. Para resolver conflitos enquanto se escuta as necessidades de todos. Mas entendo que ela é uma ferramenta e, como outras, a finalidade do usuário pode contradizer a sua própria. Quando imagino um eventual aproveitador com boa retórica e que compreenda os princípios com facilidade, penso que sim, a CNV pode ser usada para a manipulação.
Observações, sentimentos, necessidades, pedidos
Rosenberg é bastante objetivo e claro no que se refere à prática. São quatro passos para colocar a CNV em funcionamento: observar sem julgar, identificar os sentimentos, compreender as necessidades, expressar o pedido. Ao longo do livro e em grupos de estudo você encontra até mesmo modelos a serem completados, como este: “Quando eu vejo/ouço___ eu sinto___ porque eu preciso/valorizo___. Você poderia/estaria disposto a___?”. Fácil, não?
Não. Pelo menos, não para mim. Aceita um pequeno exercício? Tente se lembrar da última situação em que você teve algum conflito, por menor que seja. Pode ter sido um copo que alguém deixou no lugar errado. Lembre-se de como você abordou a situação com a outra pessoa, ou como ela abordou você, e como a história se desenrolou. Agora volte ao início e tente colocar em uso este modelo acima. Tome um minuto antes de continuar lendo…
Pronto? Provavelmente (talvez eu já esteja te julgando!) você teve que se esforçar muito com uma ou mais das quatro etapas. Não conseguiu observar sem fazer um julgamento moral (ele foi preguiçoso e largou o copo lá), chamou de sentimento o que na verdade não é (sinto que ele não me ouve), não deixou clara sua necessidade (ele deveria saber, não preciso dizer) ou fez um pedido muito generalista (preciso que se organize).
Para mim, vejo que tenho mais dificuldade para identificar sentimentos e necessidades. Estes dois, aliás, devem ser sempre conectados (Fico com raiva quando você diz isso PORQUE preciso de respeito e ouço isso como um insulto). No livro há algumas listas para ajudar a identificá-los.
Rosenberg acredita que não temos uma educação voltada para os sentimentos e a comunicação compassiva. Leva tempo. Enquanto isso, você pode escrever lembretes das quatro etapas da CNV, dos sentimentos e necessidades num cartão, em post-it ou onde for mais fácil para uma consulta rápida.
Penso que há alguns princípios muito básicos que permeiam todas as quatro etapas. Um deles é ter objetividade e clareza. Quanto mais clara a mensagem, maior a chance de ela ser compreendida e de ter efeito. Ao invés de “gostaria que você fosse mais responsável”, diga “gostaria que você se esforçasse para acordar meia hora mais cedo para ter tempo de dividir as tarefas comigo”.
O outro é a responsabilização pessoal, em todos os lados do conflito. Ao invés de “VOCÊ me deixa nervoso quando faz…”, pense em “EU me sinto nervoso porque esperava isso e você fez aquilo”. E em lugar de “Então EU TE DEIXEI triste quando fiz isso?”, experimente “Então VOCÊ SE SENTIU triste porque (VOCÊ) esperava aquilo e eu fiz isso?”. Não somos responsáveis pela realização dos outros, apenas pela nossa. E vice-versa.
Outro, evidenciado pelo próprio autor, é que toda agressão é uma expressão trágica de alguma necessidade não atendida.
A seguir, o video de uma oficina de Rosenberg sobre a CNV. Foi com ele que ouvi falar disso pela primeira vez. Ative as legendas se precisar.